Nos primeiros dias de 1978, tomei
contacto com a Banda do Cidadão e desde logo fiquei apaixonado pelas
transmissões rádio. Tornei-me um cebeísta nato e defensor deste meio
de comunicação. O nome da minha estação é " Dakota Bravo" e tem
origem no nome do avião mais seguro do mundo: o DC 3 - Dakota. Foram
nos 6 anos em que estive na Força Aérea Portuguesa como militar, que
tive contacto directo com este espectacular e turbulento avião.
Presentemente, sou das estações CB legalizadas, mais antigas de
Portugal. Assisti ao desejado nascimento da Banda do Cidadão, aos
seus turbulentos primeiros passos e à sua tão desastrosa
continuidade.
Vou dar a minha perspectiva pessoal sobre a problemática Banda do
Cidadão dos novos tempos e seus protagonistas, escrevendo alguns
artigos dedicando-os aos que, por bem, ainda continuam a manter viva
a frequência dos 27 MHz.
Aos que viraram as costas ao CB, baixando os braços desistindo de
lutar, optando por "outras frequências", esses nunca os esquecerei.
Ficam para a história, mas pela negativa. Todos nós concordamos que
algumas pessoas que diariamente utilizam a Banda do Cidadão, estão
mentalmente afectados. Basta ouvir o canal 11, e outros, em
amplitude modulada na região da grande Lisboa, para ficar com os
cabelos em pé. Mas virar as costas aos 27 MHz e às suas
alternativas, não é solução. Ainda mais, quando surpreendentemente
temos a oportunidade de escutar alguns repetidores de VHF na banda
dos 2 metros - radioamadorismo (?). É pura e simplesmente vergonhoso
a linguagem porca e obscena que determinados "radioamadores" que por
lá se ouvem. Onde está a diferença? Onde está a tão apregoada
"qualidade"?
Quem tem telhados de vidro, não pode atirar pedras para o ar...
A BANDA DO CIDADÃO QUE EU VI NASCER
Como todos nós sabemos, foram nos anos 40 que nos USA foi criada a
Banda do Cidadão, vulgarmente chamado CB. É uma forma de
radioamadorismo na sua forma mais simples e primária. De cariz
popular e sem preocupações de conhecimentos técnicos , o utilizador
desta frequência depressa se apercebeu das potencialidades da mesma.
Devido aos equipamentos serem baratos, fáceis de adquirir e de
instalar, tanto em casa como no móvel terrestre ou marítimo,
depressa surgiram centenas de estações CB por todo o território
americano , que rapidamente se transformaram em milhares. O sucesso
foi tal, que a Banda do Cidadão se generalizou por todo o mundo.
Licenciada a faixa de frequência entre os 26.965 e os 27.405 MHz, na
banda dos 11 metros, com modos de transmissão em AM, SSB, FM e com
uma potência aparente irradiada de 5 W, podendo operar com antenas
omnidireccionais e direccionais, os americanos criaram uma
regulamentação que seria copiada por muitos países, onde a Banda do
Cidadão começou a ser utilizada e autorizada.
E EM PORTUGAL?
O estado da faixa...
Em Portugal, antes da Banda do Cidadão estar legalizada, a faixa de
frequência, que actualmente é ocupada pelo CB, era atribuída pela
entidade da época, Direcção dos Serviços Radioeléctricos (DSR),
canal por canal, a firmas comerciais, pescadores, taxistas,
entidades públicas e privadas, serviços do estado, forças policiais,
etc., etc., etc.. Cada utente tinha o seu canal próprio e pagava a
respectiva taxa anual. Havia escuta efectiva e as coimas eram
pesadas.
Paralelamente com todos os que tinham emissores legalizados e de
cunho profissional, ou seja, os atrás referenciados, haviam os
outros... Os que não pagavam nada, que não tinham licenças. Que
tinham emissores portáteis ou fixos com 23 ou 40 (que luxo...na
altura) canais. Que tinham antenas escondidas dentro das chaminés ou
nos estendais da roupa. Que à noite, antes de ligarem o CB para
falar com os muito poucos amigos que havia para falar, iam espreitar
à janela e à escada, para se certificarem que não haviam certas
"movimentações" estranhas. Que escutavam o canal 26 em AM, pois a
Policia de Segurança Pública, era nesse canal que fazia as
comunicações locais com os móveis.
Que...enfim...que mais poder-se-á dizer?
Eram os PIRATAS .
"Fazer rádio" e naquelas condições, era arriscado.
Os piratas, eram todos aqueles que gostavam da aventura da
comunicação e tinham o prazer do contacto via rádio. Ligar um
emissor-receptor, é abrir a porta para um mundo desconhecido e
extremamente complexo. Não sabemos o que vamos ouvir... Não sabemos
como vamos reagir e posteriormente como actuar em função do que
escutámos. Ter o poder de emitir e interferir correcta ou
incorrectamente noutras comunicações, é uma aventura. O gozo que
era, a busca do mínimo sinal modulado no "oceano" infinito do
"éter", com a esperança de fazer mais um contacto a longa distância
e sobretudo com alguém, numa região do planeta, onde ainda não se
tinha chegado. O gosto que era, conhecermos pessoalmente aquele ou
aqueles que na noite anterior e clandestinamente, tínhamos
contactado na rádio. Havia uma cumplicidade comum. Era como se
fossemos irmãos de guerra. Havia amizade verdadeira, respeito mútuo
e sobretudo, amor por uma actividade amadora tão rica em
conhecimentos.
Com a revolução do 25 de Abril e com a vinda dos retornados das
ex-colónias, obviamente, esta situação alterou-se. Em África e
nomeadamente em Angola, a Banda do Cidadão estava legalizada. Era
uma alternativa ás comunicações existentes, pois além de serem
deficientes, não cobriam as vastas áreas de milhares e milhares de
quilómetros que era necessário percorrer. Então, um grupo desses
homens, recentemente de lá regressados ,deram continuidade aos seus
hábitos e passatempos. Como eram cebeístas, reiniciaram a sua
actividade, montando as suas estações e começando a estabelecer
contactos rádio, não só com os seus amigos vindos também de África,
como com os cebeístas piratas cá existentes. Como é evidente,
fortaleceu-se e muito, a consciência cebeísta, mas também começaram
a surgir os primeiros problemas e fricções entre três grupos de
utentes da mesma banda:
Os que cá estavam e eram piratas, utilizando a frequência como
passatempo. Os que cá estavam e tinham um canal legalizado como
estação comercial, desconhecendo, na maior parte dos casos, o que
era a Banda do Cidadão, nem compreendendo o seu espírito. E
finalmente, os que vieram de África, com grande experiência e
traquejo de CB, dominando a todos os níveis, tudo o que dizia
respeito ás radiocomunicações, pois além de serem cebeístas
experientes, eram utentes e utilizadores de outras frequências, o
que vulgarmente se chama de radioamadores (?).
A partir deste "quadro", o "teatro das operações" modificou-se e
nasceu "a ideia".
A IDEIA
nasceu num clima social e político-militar extremamente complexo.
Estávamos em plena revolução do 25 de Abril e o "prec" - Período
Revolucionário Em Curso, para uns, ou, Período Revolucionário
Eventualmente Chocante, para outros - estava no seu apogeu. A
sociedade portuguesa estava desencontrada e as ideias muito
baralhadas. Politicamente estávamos num estado mais anárquico do que
democrático, pois ninguém sabia ao certo onde estava o poder. Quem
detinha o aparelho de Estado eram os militares que iniciaram todo
este processo revolucionário e estavam fortemente conotados, não só
com o partido comunista português, como também com todos os partidos
comunistas europeus de orientação estalinista. A noção de liberdade
estava fortemente deturpada. A radicalização partidária a nível do
poder era tal, que se voltou aos tempos antigos. A repressão
totalitária, de quem não era pelo regime, era contra o regime e
automaticamente preso pela policia política, estava novamente a ser
aplicada e desta vez, à luz do dia, muito mais repressiva e
destruidora.
Os que depuseram o antigo regime, com todos os argumentos válidos
que todos nós conhecemos, dando realce à conquista da liberdade e à
extinção da repressão, estavam agora a praticar precisamente o
contrário, contradizendo-se diariamente. A desorientação era total.
Nas repartições públicas, a cunha e a nota do Banco de Portugal que
era passada por baixo da mesa para se "pagar" um favor, estavam
completamente irradiados e foram substituídos pela palavra mágica:
"c a m a r a d a". Quem não dizia: "Bom dia c a m a r a d a, queria
uma certidão................................", era olhado como se
fosse um "fascista", ou "porco capitalista", ou "explorador da
classe operária", etc., etc., etc.. O oportunismo em todo o seu
esplendor, era a arma para quem necessitava de negociar com certas
pessoas, grupos e em determinadas regiões do país, ou pretendia
levar a cabo algum empreendimento onde a componente do poder estava
presente. A bipolarização da sociedade era tão vergonhosa e de tal
calibre, que por vezes e quem queria ganhar a vida trabalhando
seriamente, tinha que modificar o seu comportamento e discurso em
função do local ou região onde trabalhava. A estrutura militar que
num país civilizado, é o garante da defesa nacional, o sustentáculo
do regime e o defensor da liberdade responsabilizadora, estava a ser
em Portugal e nesta época, a policia política repressiva do regime e
não só.
A indisciplina popular, devido à anarquia do sistema, onde a falta
de respeito e a pouca vergonha eram os argumentos dos que confundiam
liberdade com libertinagem, passou a ser também a linha de conduta
da estrutura primária das forças armadas. "Soldados, marinheiros,
camponeses e operários", eram todos iguais e tinham os mesmos
direitos, e as mesmas responsabilidades. Armas ligeiras de guerra,
como metralhadoras, pistolas e granadas circulavam quase livremente
por entre estes "defensores da classe operária". Eram os
"libertadores" de um agora "povo unido que jamais será vencido", que
viveu durante meio século sob um "facínora" regime "fascista", que
estavam agora nas ruas a controlar o dia-a-dia de todos nós. A
imagem de marca destes "militares", era o cabelo comprido até aos
ombros, a barba crescida, o fardamento de guerra todo porco,
desalinhado e os sapatos de ténis. Eram os célebres SUV (Soldados
Unidos Vencerão). Respirava-se o ar da guerra civil iminente.
Tínhamos sido defraudados pelos "libertadores". Não concordantes com
o obscurantismo a todos os níveis da maior parte da nossa população,
com o atraso tecnológico do nosso país, com a falta de condições
dignas de vida dos mais desfavorecidos, com a desertificação do
interior do nosso país, etc., a maior parte da sociedade portuguesa
não estava identificada com o regime político do Estado Novo.
Todos nós ansiávamos pela mudança.
E ela veio.
E fez época, pois faz parte da história.
Estávamos na época do "salve-se quem puder", ou do politicamente bem
colocado. E foi neste ambiente de anarquia, de espírito confuso e
com estas noções de liberdade, que o tal grupo de retornados das
ex-colónias que lá eram cebeístas, tiveram uma ideia. E a ideia era
óptima, que ira juntar o útil ao agradável. Devido à experiência
profissional e aos conhecimentos adquiridos, tanto sobre
radioamadorismo, radiotecnía e electrónica, estavam em condições
excepcionais para criar uma estrutura legalizável com objectivos
muito precisos. Essa estrutura seria chamada de Associação
Portuguesa da Banda do Cidadão, com a função de dinamizar e divulgar
a Banda do Cidadão dando-a a conhecer ao maior número de pessoas,
para que se pudessem associar e serem orientados e aconselhados. Uma
das vertentes desse projecto era, a criação de grupos de trabalho em
várias áreas e com objectivos culturais, didácticos, de apoio,
técnicos e humanitários. Tratar de toda a documentação necessária
para o licenciamento das estações CB, era uma das prioridades. O
sócio só tinha que entregar na secretaria da Associação, o
certificado do registo criminal, ( na altura era necessário o CRC
para o licenciamento de uma estação CB), a prova de compra do seu
equipamento, preencher o formulário de pedido de licenciamento e
100$00 em dinheiro.
Desde a entrega destes documentos na ex-DSR, ( Direcção dos Serviços
Radioeléctricos, agora Instituto das Comunicações de Portugal - ICP
) até ao levantamento da respectiva licença, era da competência
deste órgão associativo. Eram só facilidades...E eram. A coisa até
funcionava... Era a parte agradável da Ideia.
E a parte útil? (Para quem?)
A parte útil da mesma, era canalizar os potenciais
sócios-compradores de emissores-receptores, microfones, fontes de
alimentação, medidores de potência e estacionárias, antenas de base
e móvel, amplificadores lineares, cabo coaxial, fichas e todo um
mundo de acessórios e novidades no âmbito da rádio CB. E quem melhor
podia dar uma "palavra amiga" informando, orientando e aconselhando
qual o fornecedor do respectivo material? E quem melhor podia
resolver um problema técnico, ou avaria num equipamento,
aconselhando inclusivamente a sua substituição por outro e onde o
comprar? E quem melhor podia conseguir todos esses materiais e
equipamento, que eram desconhecidos, não só por a maior parte dos
seus utilizadores, como pelo próprio e reduzidíssimo mercado da
especialidade, devido, nessa época, ao desconhecimento generalizado
do que era um emissor-receptor de onda curta, na banda amadora e a
nível de CB.
Quem?
O líder da dita cuja estrutura associativa que fazia da sua zona de
trabalho (oficina de electricidade e electrónica e escritório) a
sede e instalações provisórias da dita cuja. Era uma maravilha, meus
senhores. Vejam este quadro exemplificativo e verdadeiro, pois o que
vou relatar passou-se com dezenas de pessoas e comigo também.
Melhor. Vou relatar o meu caso pessoal.
O CRENTE - 1
Todo o macanudo queria ser sócio da Associação Portuguesa da Banda
do Cidadão. E com toda a razão.
As pessoas que estavam à frente da Associação, foram as mesmas que:
Conseguiram a legalização da Banda...
Tinham os conhecimentos dentro da estrutura fiscalizadora, podendo
assim resolver algum problema surgido devido à inspecção da sua
estação CB, pelos respectivos serviços.
Tratavam de toda a documentação necessária à legalização de uma
estação CB.
Vendiam dentro da Associação toda a gama de equipamentos e materiais
CB, como atrás referido.
No caso de avaria, era na Associação que os equipamentos eram
reparados, pois o técnico reparador era lá que morava...
As últimas novidades em termos de equipamentos podiam ser
observadas, se não ao vivo, pelo menos em revistas...
Podia-se encomendar qualquer tipo de equipamento ou acessório, pois
passado pouco tempo lá estava para ser entregue, mesmo vindo do
Japão ou das Américas...
As quotas eram baratas, o cartão era bonito e dentro da Banda do
Cidadão, ser sócio da Associação Portuguesa da Banda do Cidadão, era
prestigiante.
Obviamente que eu era sócio.
A legalização da minha estação tinha sido tratada pela Associação.
Os meus equipamentos tinham sido comprados na Associação. Tudo o que
tinha que aprender e de me documentar sobre o CB, era na Associação
que o fazia. Enfim, a nível da Banda do Cidadão, era um defensor e
divulgador da Associação. Era um crente. Na altura, em 1978, a minha
actividade como cebeístas estava dirigida para a emergência. Era o
responsável e dinamizador da central de comunicações dos Bombeiros
Voluntários de Almada, onde um turno de operadoras, cujos ordenados
eram pagos não só pelos Bombeiros, mas também por uma firma
patrocinadora, faziam todo o serviço de comunicações de VHF dos
Bombeiros, bem como escuta 24 horas por dia no canal 9 ( 27.065 MHz)
da Banda do Cidadão. Foi a primeira e única ocasião que se "fez"
emergência-rádio efectiva na Banda do Cidadão. O resto que por aí
apareceu depois, de emergência, só o nome. Então, criou-se uma
relação muito estreita entre a central de comunicações dos BVA e a
APBC. Quando da Operação Pirâmide de má memória, as verbas
recolhidas pelo peditório efectuado dentro da Banda, foram aplicadas
na compra de aparelhos CB e respectivas antenas para equipar algumas
viaturas dos BVA. Como era de esperar, todo o material foi comprado
na Associação.
Tudo corria "sobre esferas..."
Quase todos os macanudos da margem sul, além de serem sócios da
APBC, cumpriam o estipulado nos regulamentos internos, criando-se
assim um clima de concórdia e bem-estar na frequência. O tempo
passava, a Associação crescia, o negócio prosperava e já se andava a
procurar instalações próprias para a Associação.
Até que...apareceu a concorrência.
O CRENTE - 2
Entretanto o tempo avançava. Com a divulgação da Banda, os aderentes
iam aparecendo em número considerável, outras organizações
congéneres iam-se criando e os comerciantes de equipamentos
radioeléctricos entravam no circuito. Algumas casas comerciais,
devido à crescente procura, começaram a importar e comercializar
equipamentos e todo o tipo de acessórios para o CB. Os preços e
condições de pagamento eram mais convidativos do que na Associação,
pois os comerciantes importavam em maiores quantidades, baixando
assim os preços na origem e também tentavam cativar um novo cliente
para um novo e promissor produto. As alternativas à APBC eram já uma
realidade. E em muitos casos, uma realidade vantajosa.
A nível associativo e em Lisboa, o RCB (Rádio Clube CB) fazia forte
concorrência. Na margem sul, os MIKE SIERRA'S e os CROMAS, ambos de
Almada, conseguiam aglomerar muitas estações CB da área. Tertúlias
de macanudos, que eram embriões de futuros Clubes CB, nasciam com
alguma frequência. O panorama cebeísta, pelo menos a nível da grande
Lisboa, estava a alterar-se.
Apercebendo-se que qualquer coisa estava a mudar e sentindo que já
não conseguia controlar o sistema como anteriormente o fazia, o
líder da APBC alterou não só a sua estratégia comercial, como o seu
comportamento no relacionamento com os sócios. Iniciou então uma
"caminhada" noutro sentido. Astuto como era, tentou uma manobra:
levar o maior número de cebeístas a associarem-se a uma organização
de radioamadores muito conhecida, com a argumentação de que, se
ganhasse as próximas eleições como cabeça de uma lista, iria dar
apoio a todos os cebeístas e criar uma organização que controlasse
todas as organizações cebeístas criadas até ao momento e as que
futuramente viessem a ser criadas. Foi o primeiro projecto de uma
federação nacional da Banda do Cidadão. Era um projecto ambicioso e
com credibilidade, pois já se começavam a esboçar as primeiras
"lutas" entre alguns grupos de cebeístas e a APBC não tinha poder,
nem possibilidades de sanar essas "lutas", na medida em que, no seu
próprio seio, o panorama era idêntico. Eu próprio, na margem sul
consegui demover algumas pessoas para se associarem a essa
organização de radioamadores, pois o projecto era válido e se, se
concretizasse, todos nós iríamos ganhar. Teríamos a vantagem de
usufruir das estruturas de uma organização implantada no panorama do
radioamadorismo nacional há muitos anos. As divisões e clivagens já
existentes entre os ditos radioamadores e cebeístas, iriam, se não
desaparecer, pelo menos seriam minimizadas. Os próprio clubes e
associações da Banda do Cidadão filiados nessa organização,
sentir-se-iam responsabilizados e incutiriam nos seus associados uma
noção mais ampla e também mais responsável de utilização da Banda.
O apoio técnico e didáctico a dar aos seus associados, seria o
primeiro passo para que o cebeísta fosse um futuro radioamador
descomplexado e defensor das suas raízes, nunca esquecendo que foi
na Banda do Cidadão que começou com a sua actividade radiofónica.
Enfim...havia mais vantagens a apontar, mas penso que estas são
suficientes. Ainda mais que, alguns dirigentes da APBC começaram a
cometer uma série de erros primários, resultando no afastamento, não
só de alguns sócios que entretanto se filiavam noutras associações,
como no descontentamento de muitos outros. O próprio líder da
associação já não se demonstrava tão interessado com os problemas
dos sócios, nem na resolução de certas situações decorrentes da
gestão da organização, que ele próprio tinha criado. Os seus
objectivos eram neste momento mais dirigidos para o radioamadorismo,
deixando antever um abandono da liderança da APBC.
A luta interna para a tomada do poder na APBC era uma constante,
tendo os protagonistas destes lamentáveis acontecimentos remetido os
verdadeiros interesses da Associação para terceiro ou quarto plano.
Até a presença na frequência da estrutura dirigente, deixou de se
fazer sentir. Os rádios jornais acabaram. Os comunicados rareavam. A
vigilância e controlo das estações pior comportadas na frequência
acabou. Os problemas com sócios da Associação e a entidade da
tutela, tinham desfechos impensáveis, pois da parte dos dirigentes
associativos já não existia a vontade de tentar defender o
associado. A tão famigerada força de diálogo entre a APBC e a DSR,
que tinha dado tantos resultados no antigamente, agora praticamente
não existia. Os clientes habituais de equipamentos e acessórios de
CB abasteciam-se noutros lugares, devido não só ao descontentamento
com todos os problemas existentes, mas também porque os preços e
condições de pagamento eram mais atractivos nesses lugares. A grande
desilusão e frustração como sócio e militante do projecto original,
atingiu o auge quando ouve uma tentativa de venda da APBC. Ou
melhor, quando alguém pediu uma verba extremamente alta na altura
para passar o poder.
Foi o balde de água gelada.
Foi a descrença total nos mentores de todo o projecto. Foi a
desilusão em toda a sua extensão. E é perante situações destas que
começamos a fazer comparações e tiramos conclusões.
Serviram ou serviram-se? Tinham amor à causa ou amor à bolsa? Havia
militância ou negligência? Quando se serve uma causa com amor,
tomando parte activa na defesa da mesma, transformamo-nos em
militantes. Quando se servem de uma causa com oportunismo,
tomando-se parte activa na defesa do próprio "tacho", transformam-se
em chulos oportunistas. É o Caos.
O CAOS
Como seria de esperar, o desgosto, a frustração e a revolta
apoderaram-se de mim de tal maneira, que a minha actividade como
cebeísta se circunscreveu à emergência-rádio nos Bombeiros
Voluntários de Almada. Estava completamente desiludido com o
associativismo cebeísta, devido a todos estes fracassos. A "grande"
APBC estava completamente de rastos. O pouco que restava dela,
funcionava mal e porcamente no 3º andar do edifício dos Bombeiros
Voluntários da Ajuda, na Praça da Alegria. As tentativas de
resolução dos muitos problemas pendentes, com o objectivo de dar um
segundo fôlego à APBC, eram logo à partida escorraçadas pelo senhor
presidente da associação, argumentando que toda a documentação e
arquivos estavam em seu poder e que era ele quem mandava. Ou seja,
era ele o «dono daquilo».
"Querem por a associação de pé? Convoquem uma Assembleia Geral e
apresentem uma lista para se candidatarem aos Órgãos Sociais."
Palavras do «dono».
Ridículo e despropositado. Naquelas circunstâncias não seria melhor
a nomeação duma comissão administrativa, para gerir o pouco que
havia e preparar eleições?
Na se fez. Tudo se perdeu. O Caos instalou-se e passado muito pouco
tempo, do local onde se presumia existir a APBC desapareceram os
«trastes» que por lá haviam e a porta foi fechada. A APBC morreu.
Durou o tempo necessário para que alguém se aproveitasse, para
beneficio próprio, do dinheiro e das boas vontades dos que em boa
fé, lutaram e deram o seu melhor para consolidar um projecto, que
afinal de contas não passou dum «desenrasca» e de um principio de
salvação de meia dúzia de retornados de Angola, liderados por uma
pessoa extremamente esperta e oportunista.
Quem é que pagou as favas? Uma cambada de otários (eu estou
incluído) que acreditaram no canto da sereia e foram levados pelos
argumentos, dos que «sabem mais do que todos...»
A Banda do Cidadão em Portugal só foi protegida e acarinhada pelos
seus criadores, enquanto conseguiram «encher os bolsos». Quando a
nota acabou, tudo desapareceu.
A ALTERNATIVA
O surgimento, entretanto, de Clubes e Associações cebeístas um pouco
por toda a parte, e em alguns casos actuando de uma forma muito
positiva, fez com que a tal Associação Portuguesa da Banda do
Cidadão e os seus fundadores e coveiros, fossem atirados para o
esquecimento. Já estávamos em 1981. Já tinham passados três anos
desde a legalização da Banda. Muitas estações novas estavam a
surgir, influenciadas pelo movimento associativo que entretanto
começou a alastrar por todo o país. As organizações cebeístas
oficialmente legalizadas com escritura notarial, eram as que
possuíam os dirigentes mais competentes e as actividades mais
organizadas. Alguns desses dirigentes tinham vivido toda a
problemática da ex-APBC e sofrido na pele as consequências
frustrantes da sua destruição. Eram antigos sócios e as suas
estações CB tinham sido legalizadas através dos canais da ex-APBC.
Com a experiência adquirida, tinham uma perspectiva correcta do
funcionamento de uma organização cebeísta. Os conhecimentos e
antigos contactos que algumas dessas pessoas tinham em determinados
sectores da DSR (Direcção dos Serviços Radioeléctricos), facilitou
muito a sua acção directiva, transmitindo a todos os associados uma
sensação de segurança. Os Clubes, Grupos e Associações melhor
organizados e com dirigentes mais competentes, conseguiram captar
bastantes associados e receber apoios substanciais do poder
autárquico.
Algumas dessas organizações cebeístas tiveram uma acção pedagógica
muito importante, junto dos seus associados. O comportamento
correcto, educado e amistoso que a maioria dos cebeísta conseguiam
ter em frequência, tinha muito a ver com a organização cebeísta a
que pertenciam. As pessoas acatavam os conselhos dos dirigentes e
cumpriam os regulamentos internos. A disciplina e a moral era
«pedras de toque» dos cebeístas da altura, salvo as respectivas
excepções à regra. Era com orgulho e até com um certo ar de vaidade,
que muitos se diziam sócios do Clube «X», ou do Clube «Y», pois
estavam ligados a organizações que dentro da Banda do Cidadão,
tinham angariado prestígio e nome devido não só às suas acções
didácticas, pedagógicas e técnicas dirigidas aos seus associados,
com ao trabalho desenvolvido junto das populações locais.
Em colaboração com as autarquias, associações desportivas e
recreativas apoiavam os eventos para que eram solicitados, cedendo e
orientando a rede de comunicações rádio CB móvel dos seus
associados, para coberturas rádio com carácter de urgência ou
emergência.
Nos grandes incêndios, lá estavam eles juntos dos Bombeiros
Voluntários, ajudando nas comunicações alternativas. Quando o VHF
dos B.V. não conseguiam comunicar com a sua central, ou de carro a
carro, lá estava alguém com um portátil, ou dentro da sua viatura
transmitindo em CB para a central, ou fazendo um relé. Pedidos, via
rádio CB, de recolhas de leite e alimentos para quem estava a
combater os incêndios, e até nalguns casos, pedidos de voluntários
para substituir bombeiros já muitos cansados, em tarefas não
especializadas.
Apoio rodoviário com informações periódicas a todos os colegas que
se deslocavam em barra-móvel, entre as duas margens, utilizando o
percurso da Ponte 25 de Abril.
Recolhas de sangue junto dos associados e amigos, demonstram também
a capacidade humanitária e altruísta das pessoas que compunham estas
organizações.
Das organizações existentes na altura, (1980-1983) saliento uma que
realizou na prática tudo o que atrás foi descrito. A sua acção foi
de tal modo meritória, que lhe foi atribuído pelo Estado Português
em decreto-lei publicado no Diário da República, o estatuto de
UTILIDADE PÚBLICA.
Estou a falar do CAPARICA CB.
Foi a época dourada da Banda da Cidadão em Portugal. Estavam criadas
as naturais alternativas ao projecto falido da Associação Portuguesa
da Banda do Cidadão. |